Serra Pelada, 1986 / Sebastião Salgado

Há um fascínio milenar que faz do ouro algo magnético ao homem. Incontáveis civilizações, nos quatro cantos do mundo, trouxeram para o centro de sua cultura o dourado brilhante que lhe é característico. No imaginário popular, várias histórias pairam a seu respeito: dos mitos, como o de Midas, às lendas, tal a do El Dorado — fruto do delírio que a ganância colonial impôs à América Central e do Sul.

A partir de um ritual muísca em que seu líder, coberto de ouro em pó, mergulhava no lago Guatavita, na Colômbia, os espanhóis transformaram o homem em cidade e, posteriormente, em um reino perdido na região amazônica. A ambição extrativista, fundada na conquista violenta, nutria, em seu âmago, a dupla ideia de poder e dinheiro como cernes do ímpeto que a movia, distorcendo valores culturais ao objetivar recursos, tesouros e fama. Essa tríade egóica-materialista redige o sonho do império de ouro, perseguido em expedições por Gonzalo Pizarro, Francisco de Orellana e Walter Raleigh — região que, como Atlântida, atravessa sonhos ao longo do tempo. Sua localização utópica, diz-se, repousa em algum canto da floresta… Há relatos de que o tenham encontrado no Pará.

Cratera Serra Pelada, 1986 / Sebastião Salgado

Diferente da idealizada fantasia com estética asteca, Serra Pelada não era senão uma pequena fazenda de Genésio Ferreira da Silva, onde, em 1979, o proprietário encontrou uma pepita de ouro enquanto cavava para construir cercas. O frenesi popular que levou milhares a migrar para o lugar começou rápido: em semanas, tendas de lona próximas à cava já somavam dezenas, fincadas numa mistura de terra e lama, expostas onde deveriam haver paredes.

A estratégia da Vale — e sua subsidiária Docegeo, estatais à época — foi a de eliminar o intermediário e ela mesma comprar o ouro garimpado. Uma intervenção direta na extração seria impossível, e a perspectiva de conflito era latente: uma vez que, saíssem os trabalhadores, a empresa, por certo, ocuparia o local.

“Formiga”, Serra Pelada, 1986 / Sebastião Salgado

O Conselho de Segurança Nacional, a par da situação e com a Guerrilha do Araguaia em sua memória recente, coloca Sebastião Rodrigues de Moura, tenente-coronel, na função de ganhar confiança e se posicionar como autoridade diante dos milhares de recém-chegados. O percentual pago ao fazendeiro, Genésio, é eliminado; o espaço minerável passa a ser delimitado pelo governo, que o divide em áreas de três metros por dois; um armazém é fornecido, bem como atendimento médico; mulheres são proibidas de entrar no garimpo.

Uma estrutura social surge a partir dessa divisão: os donos de barranco pairavam no topo, podendo criar uma sociedade — os “meia-praça”. No centro da pirâmide estavam esses sócios; e, na base, os formigas, carregadores de saco responsáveis pelo deslocamento da terra extraída e pela continuidade do processo de aprofundamento do imenso buraco.

“Formigas” sobem as escadas “Adeus Mamãe”, Serra Pelada, 1986 / Sebastião Salgado

Em um ano, o lençol freático é atingido, impossibilitando, com os recursos dos garimpeiros, a manutenção da produção. A ação do governo é contratar uma empresa especializada em terraplanagem, rebaixar as laterais do garimpo e instalar bombas de drenagem no fundo. Serra Pelada reabre — e o alvoroço renasce. Numa contínua curva de crescimento, a população aumenta, atingindo seu auge em 1984, com cerca de 100 mil homens vivendo ali e operando na mina.

As histórias de bamburra — quando um veio de ouro era encontrado — beiram o absurdo: um avião para mais de uma centena, fretado por um único homem que queria conhecer o Rio de Janeiro; outro que, ao amarrar notas ao rabo, corria pela rua bradando: “Antes eu corria atrás do dinheiro, agora o dinheiro corre atrás de mim”. A gastança criava um ciclo parecido ao do cassino: dobrava-se a aposta e, por fim, perdia-se tudo. Poucos conservaram o que obtiveram — embora, diga-se, a maior parte dos incontáveis “furões” nunca tenha visto o amarelo brilhante nas mãos.Cobertos de lama, como esculturas barrentas, subiam as escadas verticais de madeira — apelidadas de “adeus mamãe” — sustentados pela traiçoeira esperança infortuna, sem a recompensa sonhada. Essa contínua frustração gerava violência, emboscadas, assassinatos. A polícia tinha pouco poder diante do montante de trabalhadores e contava, do seu lado, com o artifício da ganância — cegueira opcional que embebia o fluxo em apatia, ordenando a multidão à sua função: girar a engrenagem.

Briga de Garimpeiros, Serra Pelada, 1986 / Sebastião Salgado

Entre idas e vindas, já com mulheres, o garimpo durou até o início da década de 1990, quando as terras foram repassadas à Vale. Desde então, a tensão predomina em Serra Pelada. Grupos rivais se enfrentam; muitos se juntaram ao MST; outros tantos, pacificamente, aguardam quietos uma possível liberação para retomar a extração. O que foi morro e tornou-se buraco hoje é um lago onde, dizem, repousa, afundada, a Atlântida Dourada.


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